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Correa e Lopes Consultoria

Arcabouço fiscal e reforma tributária


Conclusão corrente sobre o arcabouço fiscal aponta para sua dependência ao aumento das receitas públicas


Não poderia ser diferente: a proposta das novas regras fiscais, conhecidas como arcabouço fiscal, tem íntima relação com as propostas de reforma tributária que tramitam no Congresso Nacional e que o governo pretende apoiar: a mudança na tributação sobre o consumo, como primeira fase; e a mudança na tributação sobre a renda, a segunda fase.


A confusão entre essas duas disciplinas chega ao nome do ramo do direito envolvido: direito fiscal - utilizado, muitas vezes, para designar o conjunto de regras sobre tributos. Na verdade, a matéria tributária pode ser considerada uma parte da matéria fiscal, que, além da arrecadação de tributos, regulamenta a destinação das despesas e a relação entre despesas e receitas públicas, executada no orçamento.


Portanto, a sorte do arcabouço fiscal está, da mesma forma, intimamente associada ao futuro da reforma tributária.


Conclusão corrente sobre o arcabouço fiscal aponta para sua dependência ao aumento das receitas públicas. E por que é assim? Propõe-se o estabelecimento de metas (e bandas de variação) do superávit fiscal primário, que significa receita públicas menos despesas públicas, antes de computar o pagamento dos juros (serviço da dívida pública).


Considerando que também se propõe a fixação de um piso para as despesas (0,6% real em comparação com as despesas do exercício anterior, além de um valor mínimo para investimentos públicos), o referido superávit fiscal somente será atingido com aumento de receitas públicas acima do piso das despesas.


Basicamente, as receitas públicas aumentam por três fatores: inflação (como já comentei no blog Fio da Meada); crescimento econômico, porque parte da riqueza produzida é transferida aos cofres públicos; e aumento da arrecadação, ou seja, da carga tributária.


O governo pretende controlar a inflação, até para conseguir a desejada redução da taxa de juros; o crescimento econômico depende de inúmeros fatores, inclusive conjuntura internacional, que não está sob o controle do governo; então, a única medida que está, em tese, sob controle do governo é o aumento da arrecadação de tributos. Entre em campo, então, a reforma tributária e suas etapas.


A reforma tributária em tramitação no Congresso Nacional tem como um dos seus “princípios” a manutenção da carga tributária, vale dizer, não se pretende aumentar a carga tributária.


Para isso, o novo sistema tributário será implementado de maneira gradual, sendo “testada” a alíquota do IVA, imposto que virá substituir os atuais tributos o consumo e unificá-los. Mas como a carga tributária básica (atual) será determinada para efeito da sua manutenção?


O ministro da Fazenda tem dito que pretende aumentar a arrecadação fazendo com que setores e contribuintes que hoje não pagam passem a pagar impostos. Se é assim, poderíamos concluir que a carga tributária atual está subavaliada, pois há muita gente fora da tributação. Alguns desses “ausentes” estão nessa situação porque seus rendimentos são subtributados, o que seria resolvido com alterações na legislação do imposto sobre a renda.


Considerando esses fatores, podemos chegar a duas conclusões: o que seria a segunda etapa da reforma tributária, que viria para tratar da tributação da renda, deve ser antecipada; e a carga tributária a ser mantida talvez não se restrinja àquela relativa exclusivamente à tributação sobre o consumo, mas inclua uma revisão, para cima, da carga tributária atual.


Adicionalmente, estima-se que a carga tributária de alguns setores tende a aumentar com a implantação do IVA, enquanto a de outros tende a reduzir. Exemplos dessa movimentação são, respectivamente, os serviços e a indústria.


O que nos leva a entender, licitamente, que a carga tributária a ser mantida não será a individual de cada contribuinte, mas o somatório e o resultado das cargas tributárias individuais. Nos casos comentados até aqui, a carga tributária aumentará por novas incidências, por extinção de benefícios fiscais e pela ampliação da base de contribuintes, quer pela reforma dos tributos sobre o consumo quer pela reforma da tributação sobre a renda.


Outra influência do aumento da carga tributária, em valores nominais, é efetivamente o aumento da riqueza nacional (PIB). Também há estimativas de que a reforma tributária, quando aprovada e implementada, tem condições de provocar importante aumento do PIB.


Mantida a apuração da carga tributária como percentual do PIB, o aumento desse índice de riqueza nacional permitirá o aumento, ainda que em termos nominais, da arrecadação tributária. Essa relação recursiva (de causa e efeito mútuos e recíprocos) entre PIB e carga tributária pode influenciar na fixação da alíquota do novo IVA - em observância ao mencionado “princípio” da manutenção da carga tributária.


Nota-se, portanto, de maneira indubitável (diria até óbvia), a inter-relação entre a proposta do arcabouço fiscal e a proposta da reforma tributária. Acontece que, se a primeira, aparentemente, requer o incremento de receitas públicas (dentre elas principalmente as tributárias), a segunda estabelece como “princípio” a manutenção da arrecadação tributária (conquanto existam ainda várias dúvidas de como definir a carga tributária que será mantida).


A necessidade de conciliar ambas as propostas nos coloca diante de uma excelente oportunidade para repensar o sistema tributário brasileiro: pensar as duas etapas (consumo e renda) em conjunto, de modo a construir uma tributação mais justa no Brasil.


Fonte : Valor Econômico.

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