Apesar de se afastar de uma unificação tarifária no Mercosul, instrumento ainda é necessário
Apesar das intensas negociações desde a sua origem, a criação de uma tarifa comum sempre foi recebida com ceticismo pelos países-membros do Mercosul, em especial devido as divergências econômicas entre eles.
Enquanto Paraguai e Uruguai, na qualidade de países menores, sempre buscaram tarifas reduzidas e uniformes para os produtos agrícolas e manufaturados, evitando a concorrência predatória dos membros maiores e mais industrializados, Brasil e Argentina tentaram reproduzir sua estrutura tarifária na tentativa de preservarem sua produção doméstica.
Como solução temporária para superar tais controvérsias, o próprio Tratado de Assunção veio autorizar a utilização de tarifas diferenciadas, aplicáveis por meio de regras de exceção.
Desde então, inúmeras “perfurações à TEC” foram implementadas pelos países-membros, culminando em distorções importantíssimas na proposta original de adoção de uma tarifa verdadeiramente comum. Um reflexo da ausência de convergência regional das estruturas produtivas e políticas e da tentativa de acomodação das respectivas necessidades individuais de cada país.
Estudo publicado em 2020 e assinado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) registrou o fracasso das discussões sobre uma reforma da TEC e, por consequência, o distanciamento do modelo de união aduaneira. Antes, em 2019, outro estudo elaborado pela mesma instituição apontou que apenas 68% das linhas tarifárias possuíam alíquotas homogêneas, ou seja, aplicadas uniformemente pelos quatro países do grupo.
Conforme os dados apurados pelo BID em 2020 – que levam em conta os instrumentos de alteração publicados nos respectivos países e não a quantidade de alterações, uma vez que um instrumento pode conter mais de uma exceção –, durante o ano de 2019 e o primeiro semestre de 2020 a Argentina e o Brasil se socorreram com frequência dos mecanismos de exceção à TEC.
Distorções tão significativas na tarifa externa comum, a bem da verdade, apenas refletem a constatação de que as alíquotas originalmente definidas pelo Bloco do Mercado Comum do Sul se tornaram disfuncionais, obrigando os países-membros a recorrerem aos mecanismos de flexibilização para corrigirem distorções e afigurando-se como uma das principais dificuldades para a implementação de uma política comercial unificada no Mercosul.
Nesse cenário é que se encontram inseridas as reduções tarifárias “extrazona”, implementadas individualmente por cada país-membro do Mercosul como medida de política econômica nacional. Atualmente, vigem no Brasil ao menos seis espécies do gênero das “exceções tarifárias” ao imposto de importação.
Dentre elas está a Lista Brasileira de Exceções à TEC, ou LETEC, instrumento que mais se aproxima da proposta originalmente cogitada pelo bloco como solução para superar as principais discrepâncias econômicas e sociais entre seus membros aceitando, de forma temporária, a utilização de tarifas diferenciadas para algumas mercadorias.
A LETEC autoriza a inclusão, a exclusão e a alteração de descrições e códigos NCM – no âmbito dos itens e subitens, 7º e 8º dígitos – ou, ainda, a modificação da alíquota do imposto de importação, para mais ou para menos da referencialmente estipulada na Tarifa Externa Comum, sem qualquer exigência ou condição específica.
Como critério para a formulação do pleito nesta modalidade de exceção tarifária, exige-se apenas a demonstração dos impactos econômicos esperados com a alteração requerida – tanto para o produto objeto do pedido quanto para a cadeia produtiva na qual ele se encontra inserido – além de informações sobre o cenário atual de produção e competitividade e a urgência e relevância da alteração.
Outra espécie de exceção tarifária originalmente contemplada na legislação brasileira e autorizada pela Decisão Mercosul/GMC/RES. nº 08/08 são as Exceções Pontuais por Razões de Desabastecimento, as quais se prestam exclusivamente para reduzirem o imposto de importação em decorrência de um desequilíbrio entre a oferta e a demanda de um determinado produto, a exemplo da inexistência temporária de produção regional, insuficiência desta produção ou ausência de produto nacional equivalente.
Trata-se de exceção autorizada por um período máximo de 365 dias, condicionada a cotas máximas de importação e limitada a apenas 100 linhas tarifárias por país. Atualmente, encontra-se regulamentada pela Decisão Mercosul/GMC nº 49/19, normativo legal que autorizou a redução a zero da alíquota do referido imposto.
Uma outra espécie do gênero das exceções tarifárias ao imposto de importação, recentemente editada e que muito se assemelha à Lista de Desabastecimento, diz respeito à redução temporária a zero da alíquota do imposto de importação de determinados produtos, com o objetivo exclusivo de facilitar o combate à pandemia da Covid-19. A vigência da exceção concedida para 645 produtos, entretanto, caso não prorrogada, se encerrará no próximo dia 30 de junho.
Também não é possível deixar de consignar, com a devida importância, as exceções tarifárias relacionadas à importação dos bens de informática, telecomunicações e capital, expressamente grafados na TEC pelo acrônimo BIT e BK.
O pano de fundo para as exceções relacionadas a esses bens se pauta no objetivo de incentivar a competitividade e a produtividade nacional, além de facilitar as inovações tecnológicas, notadamente tomando-se em conta as diferenças já anteriormente mencionadas entre as economias dos Estados-Partes, nos termos da Decisão CMC nº 7, de 1998.
Desta forma, as Listas de Exceções de Bens de Informática e Telecomunicações (LEBIT) e aos Bens de Capital autorizam os países-membros do Mercosul a aplicarem alíquotas distintas daquelas originalmente previstas na TEC – aumentando-as ou reduzindo-as, inclusive a zero – aos bens de informática e de telecomunicações que não se enquadram nos critérios estabelecidos para a concessão de outra espécie de exceção conhecida como Ex-tarifários de BIT e BK.
Por fim, mas na posição de grande protagonista do gênero das exceções tarifárias, identificamos o regime de Ex-tarifários de Bens de Informática e Telecomunicações (BIT) e de Bens de Capitais (BK) – conhecidos por “Ex de BIT e BK” –, os quais representam a espécie de exceção mais utilizada no Brasil. Dentre aproximadamente 21 mil exceções tarifárias hoje vigentes no Brasil, 19.692 encontram o fundamento para sua concessão no regime de Ex-tarifários de BIT e BK, ou seja, 94% de todas as exceções aplicadas à TEC, hoje, pelo país.
Os “Ex de BIT e BK” encontram fundamento de validade no artigo 4º da Lei 3.244/57 e foram originalmente autorizados pela Decisão do Conselho do Mercado Comum do Mercosul nº 07, de 1994. Atualmente, a permissão para a sua concessão encontra guarida legal na Decisão Mercosul/CMC nº 08/21, e a autorização para sua vigência vai até 31 de dezembro de 2028.
Os chamados “Ex de BIT e BK” representam reduções de caráter temporário das alíquotas do imposto incidente nas operações de importação de bens de capital, informática e telecomunicações. Sua aprovação, diversamente de todas as outras espécies de exceção, é condicionada à comprovação da inexistência ou da insuficiência de produção nacional da mercadoria importada, mas não se sujeita a qualquer tipo de aprovação por parte dos demais sócios do bloco, nem a mecanismos de notificação ou limite máximo de produtos beneficiados.
De fato, face ao cenário apresentado, é inconteste a importância que as exceções tarifárias representam no controle e na articulação de ações políticas e econômicas de interesse nacional. A possibilidade de manipulação das alíquotas do imposto de importação – majorando-as ou reduzindo-as –, a despeito de sinalizar o afastamento do objetivo de uma unificação tarifária no âmbito do Mercosul, conforme observado anteriormente, perfaz, sem dúvida, um instrumento ainda necessário para a aplicação e manutenção de políticas desenvolvimentistas e de interesses nacionais.
Fonte : Jota.
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