Regras fiscais vigentes são insuficientes para sustentabilidade das contas públicas
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) ou Lei Complementar nº 101/2000 explicita, em seu primeiro artigo, o pressuposto de gestões fiscalmente responsáveis baseadas em ações planejadas e transparentes aptas à prevenção de riscos e correção de desvios que afetem o equilíbrio das contas públicas.
Na prática, entre outros efeitos, como afirma Francisco Lopreato em artigo acadêmico deste ano, a LRF serviu como mais um instrumento de concentração do poder financeiro governamental na esfera federal. Contudo, seguem evidências de que tal concentração não assegura a sustentabilidade das contas governamentais no conjunto da federação ou na própria União.
O Gráfico 1 representa dados consolidados de resultados abrangentes, entre 2001 e 2020, por esferas governamentais federal, estadual e Distrito Federal (DF) e municipal. Tais resultados decorrem de diferenças entre patrimônios líquidos final e inicial, divulgados pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e atualizados para valor aquisitivo de 2021, pelo Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA), empregado pelo Banco Central para fixação de metas inflacionárias.
Com tais resultados, o gráfico projeta linha de tendência para mais cinco anos (2021 a 2025) e evidencia que, sob vigência da LRF, apenas a esfera municipal aparece com trajetória sustentável, enquanto a União tende a gerar prejuízos cinco vezes maiores do que estados e DF.
Gráfico 1 – Resultados abrangentes por esfera de governo: 2001 a 2025 (R$ de 2021)
Tais prejuízos demonstram a precariedade das entregas esperadas e o risco crescente de repactuações unilaterais de expectativas e acordos relativos às respectivas gestões federais e estaduais e distrital. Note-se que a agregação dos dados por esfera de governo não permite identificar, com exceção da União, outras entidades estaduais e distrital ou municipais que tampouco evidenciem patrimonialmente gestão fiscal responsável.
As preocupações em torno das trajetórias descritas pelo Gráfico 1 aumentam por tendências de patrimônios líquidos negativos ainda maiores, ou seja, compromissos a pagar (“pedaladas” fiscais) que comprometem gestões e gerações futuras. Em 2020, em moeda de poder aquisitivo de 2021, havia cerca de R$ 5,9 trilhões de passivos a descoberto – obrigações (passivos exigíveis) sem cobertura de bens ou direitos (ativos) correspondentes. Desses quase R$ 6 trilhões de passivos governamentais a descoberto, 89% correspondem à União e 20% aos estados e ao DF, compensados por 9% de patrimônio líquido positivo vinculados aos municípios.
Dada a materialidade dos prejuízos acumulados, vale comparar as trajetórias federais sem e com a incidência do Novo Regime Fiscal (NRF), introduzido pela Emenda Constitucional nº 95, de 2016, que, entre outras medidas, fixou o teto de gastos primários federal.
Dessa maneira, o Gráfico 2 apresenta os resultados abrangentes apurados pelas diferenças de patrimônios líquidos dos Balanços Gerais da União (BGU), também divulgados pela STN, atualizados para valores de 2021 pela variação do IPCA. Eventuais discrepâncias de resultados em relação ao Gráfico 1 decorrem de diferenças nas respectivas posições patrimoniais divulgadas pela STN.
Gráfico 2 – Resultados abrangentes federais com e sem NRF: 2001 a 2025 (R$ de 2021)
Sob a LRF e o NRF, a tendência de prejuízo anual da União é mais do que o dobro do prejuízo antes da novidade. Dessa maneira, mantidas as trajetórias apuradas, em 2023, os potenciais benefícios do NRF parecem se esgotar na comparação com o regime anterior, com tendência de prejuízos ainda maiores do que sob sem essa regra fiscal.
Na legislatura federal atual, iniciada em 2019, patrocinaram-se algumas reformas previdenciárias, intensas repressões de rendimentos de trabalho dos servidores, com exceções controversas, impostos inflacionários crescentes e “pedaladas” variadas, como as de precatórios aparentemente para financiar “privatizações” do orçamento governamental.
Os resultados apurados demonstram a precariedade e a insegurança decorrentes do conjunto de escolhas efetuadas, dado que, sob a LRF e o NRF, houve resultado abrangente positivo apenas em 2018. Em entrevista dada em 2020, sobre os 20 anos da LRF, José Roberto Afonso afirmou que:
O limite global de dívida da União é determinado pela Constituição Federal, art. 52, VI, desde 1988, enquanto a criação do conselho de gestão fiscal, proposta ainda em 2000, aguarda parecer de relator desde 2019 para prosseguir sua tramitação.
O ponto aqui é frisar a evidente insuficiência das regras fiscais da LRF e NRF vigentes. Embora nominalmente visem à sustentabilidade das contas públicas e das entregas de utilidades públicas governamentais já contratadas, se não houver mudanças institucionais ordenadas urgentes em prol desses objetivos, aumentam os riscos de que tais mudanças institucionais ocorram de forma desordenada.
Isso posto, vale lembrar que se iniciam discussões parlamentares sobre projetos de lei de diretrizes orçamentárias para 2023, ao que se seguirão projetos de leis orçamentárias anuais também para o próximo ano. No caso federal, as diretrizes orçamentárias para 2023 são objeto do PLN 5/2022.
Dados os 22 anos de LRF e os seis anos de NRF, cabe perguntar a Suas Excelências e às urnas se teremos mais do mesmo ou haverá mudanças efetivamente benéficas e sustentáveis, para a maioria da população e dos cidadãos, contribuintes ou não, relativas a prevenções de riscos e correções de desvios no balanço das contas públicas.
Fonte : Jota.
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