Há previsão para mudar processo administrativo e alterar forma de cobrança de dívidas
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), tem em mãos uma ampla proposta para tentar resolver o problema crônico da judicialização tributária.
Trata-se de um pacote com oito anteprojetos de lei. Há previsão para mudar prazos e processos administrativos, alterar a forma como o Fisco cobra as dívidas, além de regulamentar o uso de métodos alternativos de solução de conflitos.
Esse tema entrou em pauta por conta do sufocamento do Poder Judiciário. O ano de 2021 se encerrou com 77 milhões de processos em andamento, sendo 35% de toda essa massa ações de execução fiscal, que são movidas por municípios, Estados e União para cobrar tributos.
Mais do que isso: a taxa de congestionamento fechou em 90%. Significa dizer que de cada cem ações que estavam em tramitação, apenas dez foram encerradas.
As propostas para tentar reverter esse quadro constam em um arquivo com mais de 1,2 mil páginas. Foram elaboradas por uma comissão de juristas instituída no mês de março por um ato conjunto das presidências do Senado e do Supremo Tribunal Federal (STF).
Nasceu com o objetivo de dinamizar, unificar e modernizar os processos administrativo e tributário. “Ao cabo de quase seis meses de trabalho, a comissão atingiu o objetivo proposto”, diz a ministra Regina Helena Costa, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que preside a comissão.
As principais diretrizes que nortearam os trabalhos, acrescenta, foram “a busca pela redução de litigiosidade e o aprimoramento das medidas de solução extrajudicial de conflitos”.
O documento com todas as propostas de alteração legislativa foi entregue em cerimônia realizada terça-feira no Senado. Pacheco afirmou, na ocasião, que uma comissão especial será criada para dar agilidade à tramitação do texto.
“Será apresentado como projeto no Senado. Podem haver contribuições e alterações, mas considero que quanto mais ficarmos dentro do que foi apresentado, melhor para o ordenamento jurídico e para a sociedade brasileira”, afirmou.
Estão previstas mudanças no Código Tributário Nacional (CTN) e reforma e criação de novas leis. Prevê, por exemplo, alteração do processo administrativo federal — regido, atualmente, pelo Decreto nº 70.235, de 1972. Aqui funciona o primeiro “balcão” de discussões entre a União e os contribuintes, antes de os casos desaguarem no Judiciário.
Outra mudança importante está relacionada à aplicação da chamada multa de ofício. Hoje, todo contribuinte que sofre um auto de infração recebe, automaticamente, uma multa de 75% sobre os valores que estão sendo cobrados. A reforma possibilita calibrar essa multa — 75% seria o teto.
A proposta traz também a regulamentação de métodos consensuais para a resolução de conflitos entre Fisco e contribuintes. Estão previstas uma Lei de Mediação Tributária, específica para a União, e uma Lei de Arbitragem Tributária, que abrangeria todos os entes da federação.
Há estímulos para a utilização desses meios. Quem optar por resolver o problema na mediação, por exemplo, terá, de cara, 70% da multa reduzida. Ou seja, se perder, pagará só 30%. Na arbitragem varia conforme o momento: antes da instauração do processo administrativo, haveria redução de 60%, durante 30% e se o caso já estiver no Judiciário, 20%.
Essa mudança tem reflexos na reforma prevista para a Lei de Execuções Fiscais. Municípios, Estados e União não poderão ajuizar ação de cobrança contra o contribuinte sem antes tentar receber os valores de forma mais amigável, por meio de conciliação, mediação ou arbitragem.
“Hoje, 70% das ações de execução fiscal tratam de IPTU e dívidas abaixo de R$ 10 mil. Tem alguma coisa errada. A Fazenda pública e o contribuinte precisam dialogar”, diz Marcus Lívio Gomes, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e secretário especial de Programas, Pesquisas e Gestão Estratégica do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que atuou como braço direito da ministra Regina Helena Costa na parte de estudos tributários.
Um outro ponto da proposta — polêmico — possibilita a execução da dívida de forma administrativa. As próprias Fazendas poderiam bloquear bens de devedores. Na esfera federal valeria para dívidas de até 60 salários mínimos e na estadual de até 40 salários mínimos. O contribuinte, se não concordar, entra com embargos e o caso vira uma execução fiscal tradicional.
Estão sendo abordadas também propostas de uniformização dos processos administrativos de todos os entes da federação — municípios, Estados e União. A ideia é unificar prazos e definir os principais recursos cabíveis.
O calhamaço de 1,2 mil páginas prevê, ainda, a criação do Código de Defesa do Contribuinte. Elenca direitos e organiza as alterações previstas nos demais anteprojetos — prazos e utilização de métodos consensuais —, além de definir o conceito de devedor contumaz e as sanções a que esse contribuinte estaria sujeito.
As propostas estão sendo tratadas como uma “reforma de consenso”. Contribuintes e Fisco tiveram que ceder para conseguir chegar num pacote de soluções para a alta litigiosidade tributária.
O grupo de juristas que elaborou os anteprojetos conta com a participação de juízes, procuradores da Fazenda Nacional, representantes da Receita Federal e do Carf e advogados de contribuintes e acadêmicos.
Para o procurador-geral da Fazenda Nacional, Ricardo Soriano de Alencar, que também participa da comissão, os anteprojetos sugeridos têm alta capacidade de melhorar a relação entre Fisco e contribuintes. “Além de tornar mais céleres e racionais os fluxos processuais administrativos e judiciais na área tributária.”
A comissão de juristas também entregou proposta para mudar a Lei de Custas da Justiça Federal. O grupo identificou, por meio de documentos do Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ, que os valores atuais estão muito defasados. A arrecadação com as custas cobre só 1,2% de toda a despesa. Nos tribunais estaduais, para efeito de comparação, o percentual médio é de 21%.
A proposta é para aumentar o valor mínimo de R$ 10 para R$ 350 e o máximo de R$ 2 mil para R$ 35 mil. Há sugestão, ainda, para que esses valores sejam depositados em um fundo da Justiça Federal destinado a investimentos em tecnologia e inovação. Existem exemplos semelhantes em outros órgãos — Receita Federal e PGFN dentre eles.
Há ainda proposta do grupo para a criação de uma lei orgânica dos conselheiros que representam os contribuintes no Carf. A norma prevê os direitos dos profissionais que exercem esse papel. Por exemplo, a licença-maternidade, que não está prevista atualmente (essa é a primeira matéria de uma série sobre a proposta para o processo tributário).
Fonte : Valor Econômico.
Comments