Ditado popular, às vezes alçado à categoria de provérbio, que já inclusive foi repetido nas tribunas de tribunais superiores por ilustres advogados, públicos e privados, diz que “pau que dá em Chico, dá em Francisco”, visando transmitir a ideia de isonomia e de equidade nos tratamentos jurídicos dispensados a circunstâncias, figuras ou pessoas iguais e equivalentes, diante de um mesmo escrutínio.
Esse antigo conhecimento da massa dialoga bastante com o recente e turbulento episódio - ou, considerando aqui a anterior abordagem dos ditos populares, o quiproquó ou, ainda, um quid pro quo, para os eruditos mais pretensiosos - ocorrido no julgamento do Tema Repetitivo nº 1.182 do STJ, referente à tributação das subvenções governamentais, conferidas por meio de incentivos e benefícios de ICMS, pelo IRPJ e a CSLL, com a medida de suspensão da sessão desse julgado pelo STF, em razão de decisão do ministro André Mendonça nos autos do processo em que se aprecia o Tema Repercussão Geral nº 843 - a qual foi reconsiderada na semana seguinte, para apenas manter o alcance desse efeito suspensivo aos casos que também debateriam a tributação de tais benesses estaduais pela contribuição ao PIS e pela Cofins.
Mas onde está a antes anunciada relação das pauladas nos pobres Chico e Francisco com tal interferência decisória entre os tribunais superiores? Pois bem, tal vinculação reside precisamente no mesmo ponto de tangência e área coincidente dos temas nº 1.182 (STJ) e 843 (STF): o princípio federativo.
Nesse sentido, mesmo sendo um repetitivo do STJ, tratando de IRPJ e CSLL, e o outro de repercussão geral do STF, versando sobre contribuição ao PIS e a Cofins, é fato imutável que ambos os temas se debruçam sobre a questão de possível invasão de competência constitucional tributária dos Estados e do Distrito Federal pela mesma prerrogativa arrecadatória constitucional da União - registrando, aqui, que temos muita dificuldade para concordar com o STJ analisando tal questão exclusivamente constitucional.
Assim, mesmo não havendo processualmente uma identidade total e tampouco uma relação consequencial das causas, expressamente na resolução do Tema º 1.182 do STJ se determinou os limites da “extensão do entendimento firmado no ERESP 1.517.492/PR que excluiu o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL”, pelo fundamento expresso e registrado na conclusão dos ministros de que a tributação federal (apenas) do crédito presumido de ICMS representa violação do princípio federativo. Do mesmo modo, o STF irá analisar a possibilidade de exclusão das bases de cálculo da contribuição ao PIS e da Cofins de valores correspondentes a créditos presumidos de ICMS decorrentes de incentivos fiscais, precisamente dentro do palco da repartição constitucional de competências, arrimada nesse mesmo princípio federativo.
Embora presente uma pontual coincidência meritória entres os temas, essa identidade se refere a uma norma da mais alta hierarquia; uma verdadeira limitação do poder de tributar petrificada na Constituição.
Posto isso, se uma vez entendido que a tributação pela União, dentro do exercício das suas competências, de benefício de ICMS viola o princípio federativo, invadindo a prerrogativa dos Estados e do Distrito Federal exercerem sua competência constitucional arrecadatória - inclusive por meio de renúncias e políticas de atração da iniciativa privada ao seu território - não existe razões válidas e razoáveis para que tal interação danosa seja limitada a um determinado tributo federal ou apenas a uma modalidade de benesse de ICMS.
Ora, foi concluído que a tributação dos créditos presumidos de ICMS pelos tributos federais enseja a violação do princípio federativo (cajadada em Chico), igualmente, a tributação de isenções ou reduções de ICMS pelo IRPJ e pela CSLL (porretada em Francisco) também proporciona o mesmo conflito de prerrogativas tributárias constitucionais dos entes da federação. O mecanismo técnico da não cumulatividade em nada altera a reconhecida situação de atentado contra a autonomia federativa pela tributação pela União de rubrica correspondente a uma renúncia tributária de outra pessoa política.
Mesmo que um tributo federal tenha sua incidência sobre a receita ou o faturamento das empresas e outros sobre o lucro, isso não modifica o fato de haver alteração e modificação do resultado efetivo e finalístico do incentivo concedido pelos Estados quando a monta desses favores fiscais é onerada pela União. Da mesma forma, se um benefício de ICMS se materializa por meio de isenção e outro por meio de crédito presumido, é irrelevante tal via de operacionalização da renúncia, na medida em que, de todo modo, sempre haverá interferência econômica, final e ulterior na política fiscal do ente concedente - algo que, repita-se, também não é afetado pelos mecanismos de creditamento da não cumulatividade.
Mesmo que exista uma distinção formal, quanto à abrangência processual e de competência recursal, entre o Tema nº 1.182 do STJ e o Tema nº 843 do STF, é inegável sua correlação (já percebida, inclusive, por excelsos julgadores), não podendo, por qualquer justificativa jurídica válida, seccionar o inseparável, distinguir o idêntico e criar um novo discrimén por conveniência circunstancial. Assim como gravidez e bom caráter, a violação ao princípio federativo ou há ou não há; inexistente meio termo.
Комментарии